Em seus 70 anos de existência, uma das maiores contribuições da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo (USP), para o Meio Ambiente de São Carlos e região, foi, sem dúvida, o trabalho de profissionais da Unidade, a partir do ano de 2002, para o desenvolvimento de estudos contendo soluções para a resolução de um grande passivo ambiental histórico do município e que impactava negativamente a qualidade de vida e os recursos naturais na região central do estado de São Paulo.
Sem qualquer tratamento do esgoto sanitário produzido no município, São Carlos despejava até então todo seu esgoto doméstico (fezes, urina, água de banho, água de cozinha e de lavanderia), efluentes industriais (respeitada a legislação pertinente) e água de infiltração na rede de coleta em seus cursos d’água, quase todos tributários do principal córrego que corta o perímetro urbano da cidade, o Monjolinho, que por sua vez deságua no importante rio Jacaré-Guaçú e este no principal rio paulista, o Tietê.
Uma importante decisão do governo municipal de São Carlos, no início dos anos 2000 com Newton Lima como prefeito, pois resolveu recorrer à expertise e excelência acadêmica da EESC para sanar o problema. O ex-diretor da EESC e hoje professor aposentado do Departamento de Hidráulica e Saneamento (SHS) da Unidade, Jurandyr Povinelli, relembra que foi durante sua gestão de seis anos como diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), autarquia da Prefeitura Municipal de São Carlos (PMSC), que o processo de participação da EESC para contribuir com a resolução do problema recebeu o necessário apoio para sua efetivação.
Liderados pelo saudoso professor José Roberto Campos, os professores Luiz Antônio Daniel e Marco Antônio Penalva Reali, todos do SHS-EESC, desenvolveram o Estudo de Alternativas e Concepção da Melhor Solução da futura Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de São Carlos. “A concepção da ETE Monjolinho com a configuração que está em uso demandou o estudo de alternativas para o tratamento do esgoto sanitário. O SAAE São Carlos contratou a FIPAI para fazer o estudo de alternativas para tratar o esgoto sanitário de São Carlos e, devido ao histórico em atividades de ensino e pesquisa relacionadas ao tratamento de águas residuárias, o Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, ficou incumbido de fazer esse estudo”, lembra o professor Daniel.
Já o professor Reali explica que nos anos de 2002 e 2003 o grupo de colegas do SHS-EESC se envolveu nos trabalhos para elaboração do Estudo de Alternativas e Concepção da Melhor Solução para implantação de sistema de tratamento de esgoto da cidade de São Carlos: “Foi um trabalho bastante gratificante por tratar de assunto bastante importante para a questão ambiental de São Carlos, pois até então o esgoto gerado na cidade era lançado sem qualquer tratamento no córrego Monjolinho. Isso impactava de modo bastante negativo a qualidade da água do mesmo e, consequentemente, de parte importante da bacia do rio Jacaré, o qual tem o referido córrego como afluente”.
Reali detalha que foram estudadas naquela época mais de dez diferentes alternativas para a concepção da ETE de São Carlos. “Com base nesse estudo, foi escolhida uma alternativa de ETE bastante original, cujo projeto foi mais tarde, após a entrada em operação da Estação de Tratamento Monjolinho, agraciado pela Agência Nacional de Águas – ANA, com o Prêmio PRODES – Programa Nacional de Despoluição de Bacias Hidrográficas -, devido às vantagens do ponto de vista técnico, econômico e ambiental. Em vista de tal prêmio recebido em 2007, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Carlos recebeu a quantia de R$ 21 milhões para serem aplicados na operação e melhorias da ETE Monjolinho”, revelou Reali.
O professor Daniel disse ainda que aquele estudo de alternativas distintas para o tratamento de esgoto de São Carlos considerou a avaliação das mesmas e envolveu o pré-dimensionamento de todas essas alternativas, a estimativa de custos de construção, manutenção e operação, os quais foram comparados. Ele reiterou que a pesquisa considerou também os aspectos ambientais.
“Com base nesses critérios, concluiu-se que a melhor alternativa foi a representada por tratamento preliminar – presente em todas as alternativas -, reator UASB – Upflow Anaerobic Sludge Blanklet Reactor – ou reator anaeróbio de manta de lodo, flotação por ar dissolvido e desinfecção – presente em todas as alternativas. Os reatores UASB têm custo de execução relativamente baixo, assim como seus custos operacionais resultam muito inferiores aos dos reatores aeróbios convencionais, operados com lodo ativado”, apontou Daniel.
O pesquisador do SHS-EESC revelou também os aspectos positivos do processo anaeróbio, quando comparados com a maioria das alternativas em que se empregam processo aeróbio: “Não há necessidade de instalação de equipamentos mecânicos. Não há demanda de energia elétrica para aeração. A produção de lodo é muito menor – 1/3 a 1/5 do volume geralmente produzido em processo aeróbio. Há produção de gás combustível que eventualmente pode ser economicamente utilizado”.
Outro professor do SHS-EESC, já aposentado, e com atuação em diversos cargos públicos no SAAE de São Carlos entre 2001 e 2017, Woodrow Nélson Lopes Roma reitera que a operação da ETE Monjolinho é uma ferramenta importante para manter saudável o Meio Ambiente da cidade e da região da qual fazemos parte: “São Carlos orgulha-se de ter uma estação de tratamento de esgoto com alta eficiência de remoção de impurezas. A ETE Monjolinho, que reúne tecnologias de ponta, como a flotação por ar dissolvido, criadas no Departamento de Hidráulica da EESC-USP, é responsável pelo tratamento de 695 litros por segundo, 100% do esgoto coletado”.
Roma diz que a ETE Monjolinho, com sua rede coletora de esgotos e interceptadores paralelos aos principais cursos d’água da cidade, é responsável por evitar que a maior parte do esgoto produzido na cidade chegue aos cursos d’água: “A água residual da ETE, retornada ao córrego Monjolinho, após eliminar 90% da carga orgânica, melhora sua condição com benefícios para as cidades a jusante de São Carlos”.
Com isso, “o passivo ambiental foi pago, São Carlos melhorou seu Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, em parte graças a ETE Monjolinho. Porém, quem mais ganhou com essa magnífica contribuição da EESC-USP para São Carlos? Sem dúvida, a população são-carlense, o Meio Ambiente e o município”, comemora o professor Povinelli.
CARACTERÍSTICAS DA ETE MONJOLINHO – O esgoto coletado na área urbana de São Carlos é conduzido para a ETE Monjolinho, situada na estrada municipal Cônego Washington José Pêra. A escolha da área para implantação da ETE Monjolinho, item incluído no Estudo de Alternativas e Concepção da Melhor Solução, considerou os aspectos técnico, econômico e ambiental. A localização possibilitou que a maior parte do esgoto, proveniente da bacia do rio Monjolinho, chegue por gravidade, reduzindo os custos de energia relacionados ao bombeamento. O esgoto coletado nas bacias dos córregos da Água Fria e Água Quente (Cidade Aracy e bairros adjacentes) chega por bombeamento.
Como o esgoto contém sólidos grosseiros (tampas de garrafa, pedaços de plásticos, tecidos, papel, bitucas de cigarro, preservativos, absorventes etc.) e areia, é feita a separação desse material – este é o tratamento preliminar constituído de grades e de caixa de remoção de areia. O material retirado, que é prejudicial às etapas posteriores, é encaminhado para aterro sanitário.
Dessa operação, o esgoto escoa por gravidade para as unidades de tratamento biológico e físico-químico. A matéria orgânica (fezes, urina, água de banhos, água de cozinha, água de lavanderia e efluentes industriais) deve ser removida para reduzir o consumo de oxigênio nos corpos receptores.
Na ETE Monjolinho o tratamento biológico é feito em ambiente anaeróbio, ou seja, sem a necessidade de introduzir oxigênio na água, reduzindo os custos operacionais.
Para que o processo seja eficiente, são construídos reatores (tanques) nos quais os microrganismos (bactérias e arqueas, principalmente) se desenvolvem e utilizam a matéria orgânica como alimento. Nesse processo ocorre a remoção de matéria orgânica e geração de gases (biogás) como o gás carbônico, metano e gás sulfídrico. O metano, gás inflamável, é coletado e queimado e nessa queima o gás sulfídrico é destruído.
O uso da matéria orgânica como alimento pelos microrganismos gera biomassa que é conhecida como lodo. Essa biomassa forma a manta de lodo na qual ocorrem as reações bioquímicas que degradam a matéria orgânica. Como a produção é contínua, há necessidade de remover o excesso que é aproximadamente igual à produção diária de microrganismos (lodo). Uma parte dessa biomassa sai no efluente do reator UASB – são os sólidos em suspensão. A remoção desses sólidos melhora a eficiência do sistema e consequentemente a qualidade do efluente final.
Na ETE monjolinho a remoção dos sólidos em suspensão é feita por flotação por ar dissolvido, que é mais eficiente que a sedimentação. Para aumentar a eficiência de separação dos sólidos são aplicados produtos químicos conhecidos como coagulantes ou polímeros e é feita a aplicação de ar comprimido em alta pressão (próximo a 4,5 kg/cm2, ou 450 kPa ou 64 lb/pol2 – a pressão nos pneus dos automóveis é em geral de 30 lb/pol2) em uma parcela do esgoto tratado que é recirculada. Essa parcela é misturada com o efluente dos reatores UASB em tanques e devido a redução da alta pressão para a pressão atmosférica (despressurização) são formadas microbolhas que se aderem aos sólidos em suspensão e os levam para a superfície formando a camada de lodo que é removida. Esse lodo é misturado com o lodo que é retirado dos reatores UASB (produção diária de lodo) e a mistura é encaminhada para unidade de desaguamento.
Na ETE Monjolinho o desaguamento é feito em centrífuga e o lodo desaguado é encaminhado para aterro sanitário. A etapa final prevista na ETE Monjolinho é a desinfecção do esgoto para diminuir os riscos sanitários na água após o lançamento do efluente tratado.
Por Alexandre Milanetti (ex-Libris)